Lean na saúde: entrevista papo carreira com Pablo Quesado
Batemos um papo com Pablo Quesado, consultor médico na Fiocruz, Avaliador (ICQ – Health Services Accreditation) e Assinante FM2S, que nos contou sobre os benefícios de se aplicar o Lean na Saúde, bem como os principais desafios.
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Trajetória Profissional
FM2S: Como foi o início de sua carreira e de sua trajetória profissional, até os dias atuais?
Pablo Quesado: Eu resolvi trilhar o caminho da saúde com muito propósito, muitos sonhos e vontade de fazer a diferença na das pessoas, no cuidado. Fiz Medicina e acabei me apaixonando pela terapia intensiva. Sempre gostei muito dessa parte dos bastidores, do que temos atrás das cortinas. A carreira do médico que faz a terapia intensiva acaba sendo de muitos plantões. Acho que a Medicina não é diferente das outras carreiras; a gente acaba se dedicando, mostrando resultados, e você acaba recebendo os convites para progredir na carreira. Fui médico diarista – aqui no Rio de Janeiro, a gente chama de rotina; e e fui rotina de CTI. Aí acabei tendo contato com outros setores, e fui aprendendo mais de como que a mágica acontecia ali por trás dos bastidores.
Eu gosto muito de pré-hospitalar, também. Então, paralelo com a carreira médica de hospital, também trabalhei com a parte pré-hospitalar de ambulância. Fui médico do Corpo de Bombeiros aqui do Rio de Janeiro. E aí fui trilhando a jornada de médico, rotina, diarista. Acabei assumindo uma chefia de um CTI e fiquei bastante tempo. Acabei aprendendo e correndo atrás. Depois fui diretor médico de dois hospitais, em empresa multinacional. Foi quando resolvi dar um tempo na minha carreira para dar uma avaliada e aí surgiu a oportunidade, no advento da pandemia, de contribuir para o SUS. Foi feito um hospital, para o enfrentamento da pandemia, e eu considero esse o maior desafio da minha vida: fazer um hospital funcionar com todas as adversidades do momento e com todas as dificuldades da cadeia de suprimento, dos fornecedores.
Interesse por alavancar a carreira
FM2S: Junto com esse amadurecimento de carreira, cargos de liderança, vieram as capacitações. Como começaram?
Pablo Quesado: Dentre todos esses desafios, cito um, quando eu estava à frente da coordenação de uma emergência, de um hospital grande aqui no Rio de Janeiro, eu era intensivista, eu não sei se por azar, ou sorte, em 2009 tivemos um surto de dengue, no verão, e um de H1N1, no inverno, no mesmo ano. A emergência que atendia por volta de 7, 9 mil atendimentos por mês, saltou pra 17 mil atendimentos. Eu achava que estava preparado para aquele desafio, duas epidemias no mesmo ano, elevando os atendimentos. Foi uma situação de crise, mas aproveitamos a crise para crescer, então foi aí que eu fui buscar capacitação. Me senti completamente despreparado para gerenciar aqueles desafios e fui questionar: como organizamos fila? Como vou conseguir lidar com essa quantidade de atendimentos?
Meu primeiro curso foi o Yellow Belt. Busquei capacitação e era como se alguém falasse uma língua que fez todo o sentido pra mim. Então quando eu tomei conhecimento, vi que era isso que eu precisava. Antes disso, até tive algumas experiências, visitando hospitais em São Paulo. Foi a primeira vez que eu ouvi falar em Lean, quando fazia terapia intensiva. Isso foi mais ou menos 2005, 2006. Mas em 2009, fiz o Yellow Belt e fez todo o sentido. Em seguida, estudei várias coisas, busquei na literatura, fui ler livros. E aí vieram as ferramentas digitais, principalmente no auge da pandemia. Eu fui trilhando esse caminho.
Cursos Online
FM2S: Como foi sua experiência com cursos online?
Pablo Quesado: Eu acho que todo mundo que tem mais ou menos a minha idade, por volta dos 45 anos, tem (ou tinha) um pouco de preconceito em relação essa coisa de fazer curso online. Assisti algumas coisas, vi que tinha muita coisa informativa. Eu acabava aprendendo e ia buscar nas fontes, livros, artigos… ia buscando.
Em 2018, fiz meu primeiro curso na FM2S. Encontrei acho que por uma busca do Google. Tinha uns cursos grátis e acabei fazendo. Fez muito sentido. O primeiro foi o Lean Helthcare; gostei, fez sentido e fui aprofundando. Fiz o curso de 5S, também. Acho que todos os grátis da plataforma, da época, eu fiz. Fui ganhando confiança e desfazendo o meu preconceito em relação à questão do EaD.
Sobre o Green Belt
FM2S: E como foi sua experiência com o Green Belt?
Pablo Quesado: Eu tinha muita dúvida se eu ia fazer um Green Belt presencial ou online. Isso foi isso em 2019. Eu tive uma oportunidade de a FM2S fazer um curso aqui, no Rio de Janeiro, aos sábados. Na época, eu juntei um grupo de amigos que trabalhavam juntos, foram 15, 20 pessoas, do mesmo hospital. E aí o que eu fiz? Até para acabar com esse preconceito, eu assisti todo o curso na plataforma online e, no sábado, tinha o presencial. Eu fiz comparando. Eu fazia os exercícios durante a semana, no online, e quando chegava na aula, eu aproveitava para tirar outras dúvidas. Ali foi o meu diferencial. Vi que não tinha muita dúvida entre fazer um ou outro. Dali, fui aprofundando para o Black Belt. Os cursos fizeram muito sentido para mim; eu virei fã da plataforma, porque me ajudou e me ajuda muito. No meu grupo de trabalho, temos o engenheiro de produção, o pessoal da TI, farmacêutica, enfermeiro, analista de processo… todos são assinantes e se capacitando.
Resultados pós as formações
FM2S: Quais foram seus principais resultados, na prática, após essas capacitações?
Pablo Quesado: Meu foco estava na diminuição do tempo de espera, e deu certo. E quando eu achei que eu tinha resolvido o problema, eu me deparei com outro paradigma; o problema mudou de lugar. A reclamação depois, era, “eu até sou atendido rápido, mas eu levo um tempão lá na emergência”. E aí fomos aprimorando. E começamos a nos atentarmos aos fluxos; de pedidos de exame, o que demora mais? O que fazer primeiro? Antes, o paciente fazia as coisas ali, rapidinho, raio X, tomografia, mas ficava um tempão esperando o laboratório. Deve ser para todos os setores envolvidos no processo. E aí você vai crescendo e trabalhando para que realmente consiga fazer o a melhoria do todo.
Recomendações
FM2S: Você mostra que, aos poucos, foi se aprofundando nas suas capacitações. O que você indica para uma pessoa, especificamente na área da Saúde, que quer se capacitar? Por onde começar?
Pablo Quesado: Para quem está no começo de carreira… o que fez diferença pra mim foi, na verdade, foi ter essa curiosidade de saber como as coisas funcionam. O time da Saúde tem uma característica de estar muito focado dentro dos seus processos ali específicos, de atendimento. Então, algo que fez muita diferença pra mim no começo da carreira era isso, essa curiosidade de saber como as coisas funcionam. Como as pessoas enxergam o meu trabalho? Como isso é medido? Nesse começo, é importante levar em consideração esses aspectos. Abrevia o tempo que você vai levar para, de alguma forma, contribuir mais para o sistema.
Além disso, uma trilha de desenvolvimento, que foi montada pela FM2S, se tivesse isso naquela época, no momento em que eu estava ali, na gestão da crise, teria, sem dúvida, abreviado muito o meu tempo de busca. Independente de qual área a pessoa vai seguir, teria que ter uma ideia de 5S, as noções básicas ali; não tinha que ser restrito a quem vai para a Qualidade ou quem vai ser gestor. Essas são ferramentas que ajudam muito.
Dicas para cargo de liderança
FM2S: E para quem está em transição de carreira, para um cargo de liderança?
Pablo Quesado: Algo que faz muita diferença são habilidades e treinamentos, que precisamos desenvolver, relacionados à inteligência emocional. Temos que estar preparados para lidar com seres humanos de uma outra perspectiva; respeitando o limite de cada um, levando em consideração o fator humano dentro das relações, para o desenvolvimento das pessoas. Um bom líder é aquele que forma outros líderes, que ajuda a desenvolver outras pessoas.
Dificuldades na trajetória
FM2S: Quais foram suas principais dificuldades ao longo da trajetória profissional?
Pablo Quesado: Uma coisa marcante foi o desafio da emergência. Me trouxe muito crescimento profissional, porque a gente aprende e busca de acordo com a necessidade e dos problemas que enfrentamos. Quem trabalha com saúde, não tem nada mais desafiador do que você trabalhar com turnos, em que a cada 12 horas, por exemplo, você troca todo mundo. Tem o turno do dia, o da noite, que chega com outro acesso; você não tem muito o convívio diário, com as lideranças. E tem o fim de semana, que também é uma outra questão. E uma das maiores dificuldades que você tem dentro da área da Saúde é trabalhar o engajamento. E falando do engajamento simples – de fazer com que, por exemplo, as pessoas entendam as instruções de trabalho, os POPs, as regras de funcionamento - até um sentido mais lato sensu de engajamento, no sentido de a pessoa entender a missão daquele setor ou empresa.
Independente de falarmos de experiência pública ou privada, porque o funcionamento e as motivações, na essência, são as mesmas ou bem próximas. Então, trabalhar o engajamento é uma coisa muito difícil, não dá resultado rápido; não passa pelo valor do salário que se paga. Ele envolve clima, liderança, como a pessoa entende o seu papel dentro do setor. Então eu acho que o engajamento é uma grande dificuldade. E, complementando com a pergunta anterior, aí que a liderança tem o seu papel fundamental. Elas terem o seu senso de propósito, saberem o impacto que o trabalho delas terá, na vida do outro, seja para um cliente interno ou externo, ou em outro setor. Essa é uma das missões que todo mundo precisa ter dentro da saúde.
Como aplicar o conhecimento adquirido?
FM2S: Como, em seu dia a dia, você conseguiu implantar o conhecimento na prática?
Pablo Quesado: De forma resumida, encontramos casos como: eu começo minha cirurgia 6 horas da manhã; o paciente, quando eu marco a primeira cirurgia, demora muito lá embaixo, a parte da burocracia, e a gente não consegue começar as 6, e aí vai atrasando. Temos uma meta aqui de operar tantos pacientes e, se o primeiro atrasar, a gente não consegue, porque toma a hora da cirurgia da outra equipe, e isso causa um mal-estar. Ou seja, era falta de eficiência de um processo de internação. Só por isso, tinha paciente internando de véspera. Eram três equipes de cirurgia e começamos a levantar literatura, entender guidelines americanos, europeus, e notamos experiência de permanência menor. O paciente operava em um dia e tinha alta no dia seguinte. Levamos isso para a equipe e algumas pessoas levantaram o ponto de que, em outros países, havia nutricionista próxima ao paciente, que fazia toda a avaliação, um processo de dieta. Será que isso resolveria o problema? Ok, foi isso que fizemos. Colocamos uma nutricionista dedicada, uma copeira, e fomos mapeando o processo. Ganhamos confiança da equipe e começamos a ter pacientes que o médico dizia que, se estivesse tudo bem, acertasse dieta, daria alta no dia seguinte da cirurgia. Vimos que a insegurança da equipe em relação aos processos, aos procedimentos, era um fator importante.
O resultado foi positivo, ter as pessoas por menos um dia no hospital, menos chances de complicação. Resolvemos o problema da burocracia, da internação; pedimos a senha antecipadamente ao convênio, pré-cadastramos, e funcionou quando tivemos a confiança da equipe. E os quartos acabavam ficando disponíveis para outros pacientes, de outras cirurgias. Depois fomos vendo que não precisava de uma nutricionista dedicada, exclusivamente. Era processo, né? Não eram pessoas; eram processos que precisavam ser ajustados, treinados e aprimorados. Quando implantamos isso com a equipe que estava mais engajada. Esse foi um caso que, em um ano de trabalho e várias etapas, com fluxo de valor, melhora de processos, conseguimos diminuir esse tempo que girava em torno de 3,5. Ele passou para 3, abaixou pra 2,5, ficou em 2. E, em alguns casos, conseguíamos a alta do paciente até em um tempo menor. Foi um case de sucesso.
Tendências de melhorias na área da saúde
FM2S: Onde que você avalia que estamos hoje, na área da Saúde, e para onde devemos caminhar para melhorar a qualidade em ambientes hospitalares, de ambulatórios e laboratórios?
Pablo Quesado: O mercado de saúde está em plena transformação. Estamos na fase de transição, e é difícil dizermos quando essa fase começou e quando vai terminar, mas temos grandes desafios. Seja na medicina pública ou na privada, vivemos um momento de escassez de recurso. Quando eu falo escassez de recurso, na verdade é um esgotamento de um modelo. Temos uma grande rede de hospitais adquirindo plano de saúde, ou seja, mudando o seu modelo, temos o mercado de startups, em plena ebulição, trazendo conceitos novos; a coordenação do cuidado, que até então era uma coisa do sistema público, agora invadiu o sistema de saúde privado… E, como toda transformação, traz grandes oportunidades, – de negócio, para quem quer investir, e de crescimento, em quem pensa na parte de carreira.
Eu sou muito otimista; eu acho que a transição que estamos vivendo é uma grande oportunidade para mudança, para melhoria e, como toda boa crise, traz oportunidade para sairmos melhor. Acho que as coisas tão caminhando, no sentido da melhoria. E que o mercado de saúde melhore para quem está trabalhando, para quem está sendo atendido, mas também melhore para quem paga. Temos que ter mais eficiência pra haja benefícios para todo mundo. Isso é um ganho para a sociedade, independentemente de ser um hospital, uma rede, um posto de saúde.