Zika e Microcefalia: os riscos da Estatística
Zika e Microcefalia: neste artigo, gostaria de falar um pouco sobre o que considero um bom curso de Green Belt. Para isto, gostaria de recuperar aqui a história do p-valor. Para mim, curso ruim de Green Belt é aquele que lhe enfia um caminhão de informações sem falar bem ao certo, como isto surgiu e para que serve. Lembro-me de um grupo de especialistas, que toda discussão resumia-se a teste de hipóteses e cálculo do p-valor.
Até para entender se um indicador havia mudado de comportamento, vinham eles com a obrigação dos alunos calcularem o p-valor para afirmar que o comportamento era estatisticamente diferente, apesar de o bom e velho gráfico de controle de Walter A. Shewhart mostrar isto antes. Para saber mais, baixe nosso E-Book Gratuito.
Como seria bom se pudéssemos voltar no tempo para os primórdios da estatística e declarar que um resultado que passasse pelo teste de Fisher com p-valor inferior a 0,05 era “estatisticamente perceptível” ou “estatisticamente detectável”, ao invés de “estatisticamente significativo”! Isso seria mais verdadeiro com referência ao sentido do método, que apenas nos aconselha acerca da existência de um efeito, porém silencia quanto a seu tamanho e importância.
Tarde demais! A linguagem que temos é esta, porém, faço apelo aos especialistas: ensinem da maneira correta estes fundamentos básicos da estatística. Caso contrário, formaremos Green Belts zumbis, que irão aplicar uma sequência de ferramentas apenas para demonstrar que “aprenderam” tal ferramenta no curso.
Recentemente, li notícias no Estadão e no New York Times questionando a conexão do Zika vírus com a microcefalia. Parece, pelas primeiras hipóteses levantadas, que a correlação tão forte e clara propagada pela imprensa brasileira e pelos especialistas em saúde, não é tão forte assim. Os artigos faziam menção à Colombia, com vários casos de Zika, mas nenhum de microcefalia. Isto me fez lembrar uma história ocorrida lá no Reino Unido.
Em 18 de outubro de 1995, o Comitê de Segurança em Medicantes (CSM) publicou uma carta para cerca de 200 mil médicos e profissionais de saúde pública da Grã-Bretanha com um aviso alarmante sobre certas marcas de contraceptivos orais de “terceira geração”.
A carta dizia que “novas evidências indicavam que a chance de ocorrer uma trombose numa veia aumenta em torno do dobro das vezes para alguns tipos de pílula em comparação com outras”. Trombose na veia significa coágulo, que pode parar o fluxo sanguíneo numa veia ou, se escapar, gerar uma embolia pulmonar. Trombose mata.
A carta assegurava aos leitores de que a pílula era segura para a maioria das mulheres, e ninguém deveria parar de tomar a pílula sem recomendação médica. Contudo, detalhes se perdem quando o assunto é saúde pública e morte. Os resultados desta barbeiragem foram desastrosos. Vamos a alguns:
- 12% das usuárias pararam de tomar a pílula, diminuindo a eficácia da contracepção;
- 26 mil bebês em 1996 a mais que no ano anterior;
- 13.600 abortos a mais que 95.
Será que compensou o alerta? Ou o mesmo provocou mais estragos que as pessoas que iriam morrer de trombose, caso interrupções não fossem realizadas? Não podemos saber ao certo, mas um cientista que apoiou a decisão do CSM emitir o alerta disse que possivelmente o número total de mortes por embolia prevenidas era “uma”. O risco adicional apresentado pelas pílulas anticoncepcionais de terceira geração, ainda que significantes no sentido estatístico, eram pouco significativos no sentido de saúde pública.
A maneira como se apresentou a história só serviu para aumentar o terror e a confusão. O CSM reportou a informação por meio de uma taxa de risco: pílulas de terceira geração dobravam o risco de trombose para a mulher. Dobrar o risco parece uma coisa bem arrisca, mas precisamos ver que as chances de se sofrer uma trombose é de uma em 7 mil. Nas usuárias da pílula, esperava-se duas tromboses em 7 mil. Mas este continua a ser um risco muito pequeno, em razão desse fato matemático certificado: o dobro de um número minúsculo é um número minúsculo.
Cérebro e o risco
Nosso cérebro capta muito bem as taxas de risco (uma chance em 7 mil). Mas taxas de risco aplicadas a probabilidades pequenas podem enganar você facilmente. Diante deste fato, concluo: cuidado com as notícias que lemos e com os avisos que nos são passados. Pensar que este caso provocou 13.600 abortos para salvar uma possível vítima de trombose me deixa perplexo. O custo do aviso foi muito maior do que o problema poderia ocorrer. Como diria os mais velhos da minha terra: “ficou mais caro o molho, que o peixe”.
Portanto, cuidado ao encararmos o fato de que Zika causa microcefalia ou que precisamos calcular o p-valor para afirmarmos que há uma tendência de alteração no patamar de variação de um indicador quando olhamos para o gráfico de controle. Vamos focar nas coisas mais importantes e comparar os cenários utilizando a boa e velha estatística, mas bebendo das fontes certas.
Já vi tanta apostila e apresentações ruins pregando isto que perdi as contas. Por ter dificuldade em decorar as coisas, sempre precisei compreender os princípios e assim, entender de onde vinham as coisas que aplicava nos meus projetos. Beber na fonte e explicar os porquês é uma das características de um ótimo curso de Green Belt. Quando a aula vira livro de receitas, caia fora. Você não merece desperdiçar seu tempo com conteúdo superficial ou para ouvir proselitismo. Abordados no White Belt, Green Belt e Black Belt, além do Lean do PMP.