A fosfoetanolamina e a análise Seis Sigma aplicada ao estudo clínico
Reportagem do portal da Revista Exame, esta semana, fala sobre a análise química que o professor Dias, do Instituto de Química da Unicamp (IQ-Unicamp) fez, por solicitação do Ministério da Ciência e Tecnologia, como parte do processo de estudo da fosfoetanolamina, substância que ficou conhecida no noticiário nacional, nos últimos meses, como a "pílula da cura do câncer".
Peço licença aos leitores para compartilhar um pouco da minha formação de Engenheiro Químico, adquirida na própria Unicamp, e explicar um pouco sobre como se dão estes testes de identificação de compostos orgânicos. De modo bem geral, é comum se utilizar a combinação de dois procedimentos: a cromatografia e a análise de ressonância magnética nuclear. O primeiro identifica a existência de compostos diferentes em uma mistura e fornece, em um sistema totalmente computadorizado, a fração de cada composto na mistura, enquanto que o segundo revela a identidade química do composto.
Naturalmente, minha formação me impõe um enorme ceticismo com relação a uma promessa de "cura do câncer": trata-se de uma doença extremamente complexa, com diversas formas de manifestação e várias particularidades, tornando inviável a criação de um único composto que o elimine. Em uma célula, é necessária uma interação muito específica entre a espécie química e os receptores celulares, que dependem não só da fórmula química, mas também da forma como os átomos estão distribuídos no espaço. Além disso, é fato conhecido que compostos orgânicos sintéticos podem causar interações imprevistas no corpo humano, e daí ser tão importante a realização de testes progressivos que atestem a segurança destes compostos.
Mas onde entra a visão Seis Sigma neste contexto? Em primeiro lugar, o agente Seis Sigma deve olhar um ponto fundamental: os dados - para ele, nada pode ser dito sem dados e indicadores que corroborem a afirmação. "Eu quero dados, se for para ter 'achismos', eu fico com os meus" dizia um de meus professores. O agente Seis Sigma jamais poderia se contentar com os depoimentos de pacientes que se dissessem mês contra o outro" - "olha, mês passado ele estava assim, mas este mês tomou evolução do quadro. Ele não se contentaria com um indicador do tipo "um a pílula e melhorou", pois sabe bem que o que importa é a evolução temporal, que diversos fenômenos biológicos do corpo humano possuem caráter periódico, e que existem ruídos do próprio sistema responsável pela coleta de exames, que podem causar resultados anômalos.
Em segundo lugar, o agente Seis Sigma iria estudar a própria pílula, tendo em vista que o responsável pela sua fabricação afirma ser uma substância completamente pura. Mais uma vez, gostaria de compartilhar minha experiência: poucos compostos possuem uma pureza superior a 99%. Não só tais graus de pureza apresentam uma enorme dificuldade técnica em ser alcançados, como implicam um custo de fabricação exorbitante, sempre repassado ao consumidor, e necessitam de todo um aparato especial. Em se tratando de produtos destinados ao uso farmacêutico, ainda é necessária toda a esterilização do ambiente de produção e utilização de sistemas que dificultem a entrada de microrganismos, o que as fotos do laboratório onde era feita a pílula dão a clara impressão de que não existe.
O professor Dias, do Instituto de Química-Unicamp, corretamente analisou várias amostras, de modo a garantir que sua análise mostrasse a variabilidade de composição da cápsula. Vale a pena mais uma vez afirmar que o resultado é obtido de forma totalmente computadorizada, sem a influência de uma visão subjetiva do operador e é dificilmente fraudável - fraudes neste tipo de procedimento têm resultado em processos disciplinares e penas duríssimas aos pesquisadores envolvidos - e ele mostrou que o composto não só não é puro como mal pode ser chamado de fosfoetanolamina, substância que corresponde a apenas 32,2%, em média, da composição da cápsula, que apresenta cinco compostos diferentes - sendo que todos devem ter seu efeito sobre o corpo humano cuidadosamente avaliado, de modo a não comprometer ainda mais a saúde, já fragilizada, de nenhum paciente.
O profissional Seis Sigma analisaria, então, cada um dos compostos presentes, e se eles têm atividade anticancerígena. Este teste foi feito, e o resultado preliminar é de que a fosfoetanolamina, em si, não apresenta propriedade de combater células cancerígenas, mas um outro composto da cápsula apresenta leve capacidade. O agente deveria, então, comparar esta substância com as já utilizadas nos tratamentos tradicionais - o resultado é que a capacidade é inferior, ou seja, constituiria um tratamento pior que os já utilizados.
O professor Dias ressalta, em seu relatório, mais um ponto de suma importância ao profissional Seis Sigma: a fração de cada um dos cinco compostos é bastante diferente em cada cápsula, o que indica um processo semi-artesanal. O agente Seis Sigma sabe que um processo com altíssima variabilidade é um processo fora de controle, e que o primeiro passo para a melhoria é controlar essa variação intrínseca. Sem isso, ele jamais terá previsibilidade sobre o que produz e nunca terá indicadores para avaliar se seu processo melhorou, piorou ou se manteve estável, após ele realizar uma certa mudança. Fora isso, na pesquisa clínica, temos um complicador: um processo sem controle fornece produtos sem segurança ao ser humano.
O agente Seis Sigma não é um guru ou alguém com promessas de felicidade ou sonhos impossíveis, cheio de soluções milagrosas. O agente Seis Sigma é um profissional que olha os fatos de forma cética, busca seus conhecimentos com experimentação científica e tira suas conclusões de dados cuidadosamente obtidos. Mais do que isso, aquele que trabalha na área da pesquisa clínica deve trabalhar com ética, com preocupação com a saúde e melhoria contínua do seu ambiente de produção e trabalho. Vemos que claramente faltaram todos estes fatores na análise da fosfoetanolamina, a "pílula do câncer", com diversos agentes agindo mais com base nas emoções do que com as informações.
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