Este é um trecho da entrevista realizada no canal do Youtube da FM2S. Confira a conversa na íntegra clicando no banner!
Hoje nós embarcamos no mundo melhoria na saúde. Vamos falar sobre a importância de uma boa gestão em saúde, como isso impacta o dia a dia, não só dentro de uma equipe, mas claro, para o paciente e a importância de um atendimento que seja eficaz e ao mesmo tempo humanizado.
Nossa convidada é a Mariane Tarabal. Ela é executiva da área da saúde, é médica, graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG. A Mariana também é especialista em medicina da família e comunidade, tem residência médica pelo Hospital das Clínicas também da UFMG e é especialista em segurança do paciente pela Fiocruz.
Entrevista
Adriana Arruda | FM2S: Quais as experiências que você destaca no começo da sua carreira?
Mariane Tarabal: Eu fugi um pouco do padrão. Eu me formei medicina, fiz residência médica, fiz no Hospital das Clínicas da UFMG, me formei na UFMG também. Mas desde a formatura eu já tinha a intenção de trabalhar com gestão em saúde.
Então, assim que eu terminei a residência eu já estava fazendo MBA na Fundação Getúlio Vargas em Gestão de Serviços de Saúde e já tive a oportunidade de terminar e já assumir um cargo de gestão.
Hoje fala-se muito mais em ter atividades de gestão na medicina, mas na minha época não se falava, era um desafio. Não tínhamos a quem buscar, a quem recorrer, o fluxo regular era o médico se formar e, o médico que se destacava, era convidado a assumir um cargo de gestão. Então estudar para isso, buscar conhecimento, buscar formação pra ser um gestor em saúde não fazia parte das discussões dos acadêmicos de medicina na minha época. Hoje eu já vejo isso acontecer com mais facilidade. Essa trajetória não muito óbvia foi desafiadora.
Adriana Arruda | FM2S: Como você começou seu contato com a melhoria?
Mariane Tarabal: Eu sempre trabalhei com uma gestão muito mão na massa sabe? Eu gosto de estar lá no no chão de fábrica, de estar junto com com as equipes assistenciais. Na medicina, na saúde, a gente tem processos o tempo todo. Nós comparamos com fábricas – na saúde não temos isso de uma forma tão clara –, mas a gente tem processos desde assistência direta ao paciente até os bastidores, nos processos de faturamento, processos de fluxos de conta, então precisamos trabalhar os processos de melhoria em todas essas etapas.
Quando começamos a mapear os processos de uma instituição de saúde, entendendo o mapa de fluxo de valor, o que que é valor pro cliente interno, o que que é valor pro nosso cliente externo, que é o paciente, entender isso e trabalhar os processos de melhoria é essencial pra termos uma instituição de saúde diferenciada. Não só aquela visão assistencial tradicional, de que para uma instituição ser boa basta eu colocar bons médicos, bons enfermeiros, bons técnicos e tudo vai correr bem.
AA | FM2S: Você pode ilustrar alguns resultados interessantes que você destacaria?
MT: Quando a gente trabalha o Lean Healthcare – que é o Lean voltado pra área da saúde – muitos profissionais ainda enxergam o tema como novo. Quando a gente começa a discutir isso com as equipes, o alicerce mais importante é trazer conhecimento, é trazer formação.
Falar sobre o que é isso, qual é o propósito disso, como vamos trabalhar o processo de melhoria dentro de uma instituição de saúde e qual é o papel de cada um. Então, essa base de formação, de educação, de conhecimento, é essencial.
Acho que um dos locais que a gente consegue perceber a melhoria com Lean Healthcare é o pronto atendimento. Um pronto-socorro. Nesse setor vemos filas com muita facilidade. A fila do paciente que está aguardando o atendimento, que está esperando um resultado de exame, então temos muita gestão de filas e oportunidades de enxergar os desperdícios que estão ali o tempo todo. Todo tempo em que o paciente está envolvido numa atividade que pra ele não tem valor.
AA | FM2S: Quais são os principais desafios da aplicação de melhoria em saúde?
MT: O primeiro desafio é controlar a ansiedade. Quando falamos em gestão da melhoria, as pessoas estão muito imediatistas. Quando a gente fala que a espera no pronto atendimento está alta, todo mundo acha que sabe o motivo. A solução pra gente melhorar os processos é sempre colocar mais pessoas, certo? Sempre essa é a solução.
Claro que às vezes a gente vai precisar colocar mais pessoas, mas na imensa maioria das vezes não é necessário. É necessário ajustar a equipe que a gente tem. Então acho que a o primeiro ponto é vamos segurar a ansiedade. Nós vamos fazer as mudanças nos momentos em que precisa ser serem feitas.
O segundo ponto é nós precisamos entender de fato o problema. Então nós vamos ter que nos despir dos nossos preconceitos. Por exemplo: “no meu conceito, a espera é alta porque só tem um médico atendendo.” Mas, espera aí, pra esse volume que eu tenho eu preciso de dois, três, quatro (médicos) ou um é suficiente se eu reorganizar? Então, vamos tirar os conceitos que a gente acha que estão levando a uma demora no atendimento. E vamos de fato exercitar. Nessa hora, é quando a gente vai pro chão. Se eu estou fazendo uma melhoria num pronto atendimento, eu vou fazer o meu mapa lá no pronto atendimento.
Eu vou lá com o cronômetro, vou ficar observando. Eu vou segurar minha ansiedade, de mudar o que precisa ser mudado e vou perder meu tempo lá só observando, só entendendo, entrevistando as pessoas pra poder saber como as coisas de fato acontecem. Acho que o grande desafio é esse.
As pessoas são muito ansiosas pela melhoria. O segundo é segurar a contratação. Se a gente trabalhar melhor as nossas pessoas, se a gente der condições de trabalho pra essas pessoas com fluxos organizados e processos bem definidos, o resultado surge. E se a gente coloca mais pessoas no cenário de caos, só vai ter mais gente perdida no caos. Então, o desafio de fato é colocar ordem na casa primeiro.
AA | FM2S: Como que a gente traz ou mesmo mantém essa humanização no atendimento em saúde?
MT: É triste ter que falar de humanização. Porque parece que a gente não é humano na saúde. Infelizmente a gente vê ainda com muita frequência pessoas que vão assistir pacientes abrindo um documento e são desrespeitosas ou não tem aquele calor humano que a gente precisa ter pra poder fazer um atendimento.
Acho que cada vez mais a gente tem ouvido palavras como empatia, conceitos de humanização e isso é essencial. Acho que o grande ponto disso é que, quando a gente pensa em humanização, é a visão nova que se tem na saúde. Já se trabalhava a experiência do cliente há muitos anos e agora a gente está trabalhando muito a experiência do paciente.
Temos foco nessa experiência do paciente porque, enquanto ele está na nossa instituição, o paciente precisa ter uma boa experiência. E, às vezes, é difícil a gente pensar: “Poxa, como é que alguém vai ter uma boa experiência num hospital.” A pessoa está indo com dor, está doente. Mas, mesmo assim, a gente tem que promover uma boa experiência, temos que buscar fazer com que o tempo dele dentro da nossa instituição seja o mais agradável.
Quando a gente está falando de humanização, está completamente alinhado a isso. Se eu não tenho equipe treinada pra poder acolher, pra poder tratar de uma forma respeitosa, pra poder ter empatia com o paciente, eu não vou ter um atendimento humanizado. Então eu não vou ter uma boa experiência. Isso vai refletir na minha pesquisa de satisfação. Isso vai refletir no meu número de clientes.
AA | FM2S: Como você concilia essa carreira técnica com a parte de gestão?
MT: Então, é um desafio. Assim como quando a gente pensa em equilibrar os pratos, às vezes a gente tem que pensar. Em que momento eu tendo mais pra um lado, em que hora que eu tendo mais pro outro? Hoje eu vejo muitos colegas, enfermeiros, médicos que conciliam isso de uma forma bem bacana.
Eu acho que o principal ponto é você fazer gestão gostando do que faz. Eu acho que isso é muito cruel na área da saúde, porque se você é bom tecnicamente, você é enfermeiro que tem uma relação ótima com o paciente, trabalha com tranquilidade, passa uma sonda super bem, você vai ser promovido a gestor. E na gestão fala: “Poxa, eu gosto mesmo é de passar sonda, eu gosto mesmo é de ficar ali, de medicar.” Saiba separar isso né? Assim, se você está na gestão, faça por gosto ou faça porque te encanta, te brilha os olhos, porque senão vira um fardo muito pesado.
Quem não está na gestão muitas vezes pensa “nossa, escolheu a vida fácil”. O gestor é aquele que fica na cadeira sentado. E muito longe disso, gestão é pesado, é desafiador, cansa, envelhece, então a gente tem que tem que estar disposto a muita coisa. Assim, se você consegue conciliar as duas atividades, é melhor. Hoje eu estou exclusivamente na gestão. Eu não assisto mais pacientes, mas durante grande parte da minha carreira eu fiz as duas coisas. Eu tinha pacientes e trabalhava com gestão. E acho que uma forma boa de você fazer isso é fazendo gestão na área que você assiste.