Sempre foi assim e a mudança como atitude
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22 de junho de 2015

Última atualização: 25 de janeiro de 2023

Sempre foi assim e a mudança como atitude

Como mudar a mesmice e o sempre foi assim?


Sempre foi assim: no artigo de hoje vamos falar de um assunto que é abordado no livro Manual de Melhoria, o viés da confirmação. Você sabe o que é isto? Muita gente não sabe, mas ele esta presente em quase todas as decisões de nosso dia a dia. É isto que defendemos no Green Belt e Black Belt.


Há muitos estudos recentes de como as pessoas fazem julgamentos. Nossos julgamentos intuitivos são baseados em dados, que para todos os efeitos são aqui definidos como a informação que recebemos dos nossos sentidos antes de interpretá-los. Interpretamos estes dados através de nossos conceitos, que são categorias que usamos para que o mundo faça sentido. Nossos olhos podem nos trazer uma imagem do mundo, enquanto nossas categorias nos dizem o que está na imagem (carro, árvore, cavalo, barco ou maçã). Implicado em cada julgamento há um conjunto de predições que podem ser testadas.


Como um simples exemplo, eu acredito que o objeto à minha frente seja uma maçã. Eu baseio o meu julgamento em dados dos meus sentidos, que combinam com o meu conceito de “maçã”. As predições implicadas neste julgamento incluem: “Se eu tocá-la, ela parecerá sólida. Se eu mordê-la, ela será saborosa. Se eu valorizo a experiência de provar coisas saborosas, eu decido agir, comendo o que eu julgo ser uma maçã”.


Certamente as decisões podem se tornar muito mais complexas do que essa, mas são todas baseadas em algum tipo de dado interpretado pelos conceitos individuais (os conceitos são algumas vezes chamados modelos mentais ou paradigmas). Quando um indivíduo adquire novos conceitos, como o conceito de variação de causa comum/especial, os dados que são interpretados através destes novos conceitos levam a decisões diferentes das que poderiam ser feitas sem este novo conceito.



Qual é o papel do viés da confirmação no sempre foi assim?


sempre foi assim


O viés da confirmação é a tendência procurarmos por evidências que confirmem as crenças existentes, e não por evidências que desaconselhem estas crenças. Um importante estudo que mostra esses vícios foi realizado primeiramente por Wason em 1960 (Bazerman, 1990).


Wason apresentou a 29 participantes a sequência dos três números 2-4-6. Aos participantes foi solicitado que decidissem a regra para a sequência destes três números. Eles deveriam fazer isto através da geração de outras sequências de três números, as quais o experimentador deveria classificar como conformes ou não com a regra. Os participantes foram avisados para pararem quando tivessem descoberto a regra.


No experimento inicial de Wasons, somente 6 dos 29 participantes descobriram a regra correta, que era “qualquer três números ascendentes”, na primeira vez que pensaram que sabiam. Uma estratégia típica para os participantes julgarem incorretamente seria desenvolver a hipótese de “números aumentados de 2”. Eles deveriam então apresentar números com esta sequência ao experimentador, que deveria responder dizendo, “sim, estes números estão conforme a regra”, o que deveria confirmar suas hipóteses. Depois de diversos ciclos de confirmação eles acreditaram que sabiam a regra. Eles falharam ao não considerar uma tentativa de sequência simples, como “9-10-11”, que não confirmaria a crença na regra dos “números aumentados de 2”.



Como o sempre foi assim se origina?


Esta tendência para a evidências confirmatórias também pode ser considerada no contexto da tabela de duas entradas, onde dados em todos os quatro quadrantes devem ser considerados para um julgamento objetivo.


Por exemplo, suponha que um gerente de vendas acredite que uma nova estratégia de mostrar aos clientes brochuras de produtos durante as visitas irá aumentar efetivamente o número de pedidos de vendas com sucesso (veja a questão 7 do exame). Ele pede para seu engenheiro de vendas que reporte, a cada mês, quantas vezes a estratégia resultou em uma venda (considere a questão que o gerente de vendas está fazendo: O uso da brochura irá aumentar as vendas?). O total para o último trimestre foi de 180 pedidos bem-sucedidos usando a brochura. Isto deveria aumentar a crença do gerente na relação entre esta nova estratégia e o aumento dos pedidos de vendas?


Para responder a esta questão objetivamente, deveria também existir dados sobre:




  • número de vezes que a estratégia foi tentada e não ocorreu uma venda.

  • número de vezes que a estratégia não foi tentada e ocorreu uma venda.

  • número de vezes que a estratégia não foi tentada e não ocorreu uma venda


Os estudos no uso da tabelas de duas entradas mostram que pessoas leigas tratam muito vagamente a interpretação e que negligenciam uma ou mais das células que estão na raiz do problema. Uma falha comum, por exemplo, é a superconfiança no tamanho da célula “presente-presente” (esquerda acima) comparada com o número total de amostras (Kahneman, Slovic e Tversky 1982).


Novamente, referindo-se as tendências das armadilhas da confirmação na tabela de duas entradas, a tendência de procurar as evidências que confirmem as crenças existentes, e não procurar, ou descartar, as evidências que desautorizariam as crenças, é equivalente a ampliar a célula “presente-presente” da tabela de duas entradas. Por exemplo, cada vez que o gerente de vendas toma conhecimento de uma venda quando está sendo usada a brochura de produtos, outro registro vai para a metafórica célula “presente-presente” do relatório de gerenciamento, para a crença do gerente, ou para ambos. Se os registros apropriados não estiverem indo para as demais células também, este gerente irá cair cada vez mais profundamente na sua armadilha da confirmação.



Sempre foi Assim?


Saindo do experimento de Wason, podemos enumerar uma série de ocasiões em que o viés da confirmação aparece, são elas:




  • Torcedores fanáticos, que só leem ou acatam argumentos e informações favoráveis ao seu time, refutando todo o resto;

  • Partidários ou ativistas políticos que buscam somente informações que enalteçam os aspectos positivos do lado que estão refutando inúmeros escândalos ou provas que demonstrem ao contrário.


Mas, e nas organizações, como o viés da confirmação se manifesta? De várias formas, mas principalmente nas discussões sobre quais mudanças se fazer em projetos de melhoria. Toda vez que alguém sugere uma mudança, tem sempre alguém que se mostra contra, citando argumentos e histórias em que mudanças semelhantes foram implementadas e não deram certo.


Quando ouço este tipo de argumento me pergunto o quanto disto é verdade e o quanto é viés da confirmação. Será que as condições na implementação fracassada são as mesmas? Será que equipe tinha o mesmo perfil? Será que a mudança realmente não deu certo? Fazer estas perguntas poderão não bastar, porque o viés da confirmação é tão forte que dificilmente deixará alguém voltar atrás. Nestas ocasiões, sugiro lançar mão do experimento de Wason e mostrar como o viés da confirmação está presente. Mostrando isto, ficará mais fácil de convencer os participantes sobre o tamanho deste problema.



Quer saber mais?


Virgilio F. M. dos Santos

Virgilio F. M. dos Santos

Sócio-fundador da FM2S, formado em Engenharia Mecânica pela Unicamp (2006), com mestrado e doutorado na Engenharia de Processos de Fabricação na FEM/UNICAMP (2007 a 2013) e Master Black Belt pela UNICAMP (2011). Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da UNICAMP, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.