Como está o poder de compra da população?
Qual é o seu salário? Qual é sua renda? Está satisfeito ou acha que poderia ganhar mais?
Faz tempo que não escrevo um artigo cujo objetivo é analisar nossa realidade por meio da Estatística. Deixei de fazê-lo, pois julguei não serem tão interessantes. Porém, recentemente, um de nossos leitores inquiriu sobre o motivo de não escrevê-los mais. Sem argumentos que não fossem a minha percepção, resolvi aceitar o desafio.
Hoje, portanto, quero escrever sobre o poder de compra do nosso salário. Mas antes, vamos entender o que é o poder de compra.
O que é poder de compra?
O poder de compra refere-se ao valor de uma moeda expresso em termos do número de bens ou serviços que uma única unidade monetária pode comprar. O poder de compra é crucial, porque o aumento da inflação diminui a quantidade de bens ou serviços que você poderia comprar. Já em termos de investimento, o poder de compra se trata do montante de crédito disponível para um cliente comprar mais, em contraposição ao que existe na conta da corretora.
Como se calcula o poder de compra?
O cálculo do poder de compra é feito, geralmente, a partir de índices que medem a relação entre os preços dos bens e serviços e os salários ou rendimentos dos consumidores. O mais comum é que se use o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e o salário ou renda média da população.
Nessa lógica, a conta seria dividir o salário/renda média pelo IPC.
Poder de compra = salário médio ÷ IPC
Exemplo:
- IPC: 120 (com uma base de 100)
- Salário médio: 40.000 unidades monetárias por ano
40.000 ÷ 120 = 333,3333333333 x 100 = 33.333,33
Nesse exemplo, os consumidores podem adquirir bens e serviços no valor de 33.333,33 unidades monetárias com o salário médio ajustado pela inflação. Importante lembrar que esse é um exemplo simplificado e, na prática, as coisas são mais complexas.
Apresentarei, adiante, o cálculo do poder de compra na prática, com os dados do ano de 2019.
O poder de compra do salário em 2019
Na minha percepção, os números em nossa cabeça sobre bons salários estão ancorados em bons valores de dez anos atrás. Tanto que quando fiz estágio em 2005, lembro que o salário de nosso gerente beirava os 20 mil reais. Era muito dinheiro na época.
No Brasil de 2019, 20 mil reais de salário continuava sendo uma pequena fortuna para muitos gerentes. Mas qual seria o valor, se corrigido, dos 20 mil reais naquele ano? E, como ficaria o poder de compra? Quanto que colaborador de renda teria que gerar para que fosse “justa” sua remuneração? E o funcionalismo público? Será que avançou mais que o privado? Vamos aos dados para responder a essas perguntas.
O impacto do IPCA
Figura 1: Variação mensal do IPCA de julho de 1994 até junho de 2019, em % e em pontos base (100 em julho de 1994). Fonte: IBGE.
Na figura 1, pode-se observar o impacto do IPCA. No primeiro gráfico observa-se a variação mensal do indicador. Observa-se que o descontrole do índice se deu em quatro momentos:
- Início do plano Real;
- Crise de 1999;
- Primeira eleição do Lula;
- Final do governo Temer.
Além desses pontos, percebe-se que no governo Dilma 2 houve uma série de pontos acima da média e, no Temer, uma série de pontos abaixo da média. Como já escrevi várias vezes aqui no blog, se o presidente não cuidar da inflação aqui no Brasil, ele cai.
O impacto da inflação
É interessante notar, dessa forma, o impacto acumulado da inflação. Se considerarmos que 100 pontos base era um valor para julho de 1994, corrigindo o valor para junho de 2019 seria de 569,31. O salário mínimo em julho de 1994 era de R$ 64,79. Logo, corrigindo apenas pelo IPCA, o salário mínimo em junho de 2019 deveria ser de R$ 369,85.
Entretanto, o salário mínimo de 2019 é de R$ 998,00, 15 vezes o salário mínimo de julho de 1994 ou 2,71 vezes o valor teórico se fosse corrigido apenas pela inflação do período. Em tese, o poder de compra do salário mínimo em 2019 é 2,7 vezes maior do que o poder de compra do julho de 1994. Dessa forma, a produtividade do brasileiro com salário mínimo deveria ter subido na mesma base, para que a empresa mantivesse suas margens de lucro.
Figura 2: evolução do salário mínimo real e do salário mínimo corrigido apenas pela inflação.
E como fica a percepção de riqueza?
Na figura 2 é possível observar uma aceleração do aumento real do salário mínimo a partir do governo Lula 1. A percepção de “riqueza” do trabalhador da base da pirâmide ou daquele cujo salário é indexado ao salário mínimo, começou a crescer. Para verificar a evolução dessa percepção, pode-se fazer uma tabela entre a diferença do salário mínimo real e do teórico, evidenciando a evolução do poder de compra do assalariado mínimo.
Tabela 1: evolução do aumento real do salário mínimo.
Governo | Aumento Real | Aumento Real Mensal |
FHC 1 | 29,2523 | 0,609423 |
FHC 2 | 26,45919 | 0,551233 |
Lula 1 | 111,7372 | 2,327857 |
Lula 2 | 147,8499 | 3,080207 |
Dilma 1 | 185,1995 | 3,858324 |
Dilma 2 | 237,2285 | 13,95462 |
Temer | 86,75565 | 2,798569 |
Bolsonaro | -6,88617 | -1,37723 |
Pela tabela 1, pode-se observar que o ritmo de correção do salário mínimo nos governos petistas foi maior do que nos demais. A diferença mais importante foi do Dilma 2 para o Temer. Os aumentos reais do salário no Dilma 2 foram incompatíveis com as condições do país. Isso certamente foi um golpe duro às empresas que já davam sinais de crise em 2015.
E o índice Big Mac?
Deixando o salário mínimo de lado, quanto custava a famosa Oferta Combo nº1 Big Mac em julho de 1994? Acertou se você respondeu R$ 2,75. Se um assalariado mínimo quisesse comer um Big Mac em 1994, ele precisaria desembolsar 4,25% do seu salário. Em 2019, o valor era de R$ 22,90, ou 2,29% do salário mínimo. Se a vida se resumisse a Big Macs, o poder de compra do trabalhador brasileiro dobrou no período e o preço do Big Mac subiu mais que o IPCA.
Como ficaram os salários do funcionalismo público do Brasil?
Em 1995, um auditor da receita federal ganhava R$ 4.718,70. Em 2019, no início da carreira o auditor tinha rendimentos de R$ 24.029,09, ou 24,07 salários mínimos. A correção do salário na carreira de auditor foi um pouco maior do que o IPCA. Pelo IPCA, o auditor deveria ter ganhos de R$ 23.802,00.
Nas pesquisas sobre os salários do funcionalismo público, há diversas reclamações sobre o poder de compra. Há auditores que militam pela correção do seu salário nas mesmas bases do salário mínimo. Nestas bases, seus 67,7 salários mínimos em janeiro de 1995 deveriam dar um salário de R$ 67.275,18. No Brasil de 2019, alguém concordaria que pagar 67 mil reais para um servidor representaria um rombo ainda maior nas contas públicas?
Como o poder de compra afetou os itens de alimentação?
Um rodízio, em 1994, custava por volta de 13 reais e o quilo de arroz 0,64 reais. Para almoçar um rodízio, gastava-se 20% de um salário mínimo. Era muita coisa. Em 2019, com o rodízio na casa dos R$ 90,00 gastava-se 9%. Mais uma vez, dobrava o poder de compra do salário mínimo.
E os cargos da iniciativa privada?
Em 2006, meu salário com estagiário era de R$ 1.500,00 por 40 horas de trabalho. Na época, não havia lei do estágio. Para as bolsas de 30 horas, pagava-se R$ 1.125,00. Se este valor fosse corrigido pela inflação, teríamos um estágio de R$ 2.300,00. Segundo o site Love Mondays (Glassdoor) o salário médio de um estagiário no mesmo lugar que trabalhei, em 2019, era de R$ 2.313,00, ou seja, o mesmo valor que ganhava corrigido pela inflação. Sob essa ótica, parece que os salários foram corrigidos pela inflação, pelo menos dos estagiários.
Sob a mesma lógica, o gerente de R$ 20.000,00 em 2005 deveria ganhar R$ 40.890,80 em 2019. Porém ao se buscar na mesma base, Love Mondays, ver-se-á que o salário de um superintendente do banco fica em R$ 25.000,00. Ou seja, a correção salarial não se fez possível na iniciativa privada.
O caso dos automóveis
Com a forte correção real do salário mínimo e a não correção dos salários em geral, fica fácil entender a perda do poder de compra na classe média e classe média alta. Para fins de comparação, um Uno Mille custava (com ágio) cerca de R$ 8.000,00 em 1994. Em 2019, o Uno Mille sairia por R$ 45.040,00. Em 2019, o Modelo Uno Attractive custava R$ 44.820,00, muito próximo do valor corrigido pela inflação.
Como era difícil encontrar gerentes ganhando 40 mil reais mensais, ficou mais difícil adquirir veículos, já que estes corrigiram seus valores de acordo com a tabela FIPE. Aliás, mesmo considerando-se o sonho da classe alta da época, o BMW 325 i, teríamos um valor próximo também. Em 1994, custava cerca de R$ 61.476,00, o que corrigidos, sairia por R$ 343.300,00. No final das contas, BMW 330 i em 2019 custava R$ 229.950,00, bem mais barato do que o valor de 1994 corrigido. Nesse período o valor de um Uno passou de 13% de uma BMW para 19%.
Um auditor da receita federal precisava de 13 meses de salário para comprar uma BMW em 1994, em 2019, com 9 meses ele comprava. Parece que o funcionalismo público melhorou o seu poder de compra com o plano Real.
Como ficou o poder de compra nos imóveis?
Figura 3: comparativo entre o IPCA e o índice FIPEZAP de valorização de imóveis a partir de junho de 2012.
No período do gráfico da figura 3, junho de 2012 até dezembro de 2018, observa-se a equiparação do IPCA em relação ao imóvel. O IPCA cresceu 46,5% no período contra 29% do imóvel. Já o salário mínimo cresceu 53%, o que é quase o dobro do valor do imóvel. Dessa forma, o poder de compra imobiliário do trabalhador assalariado cresceu, porém será que a visão a partir de junho de 2012 é míope?
INCC x IPCA x Salário mínimo
Para responder essa pergunta, a melhor forma é comparar o INCC (Índice Nacional da Construção Civil) com o IPCA e com o salário mínimo. Colocando o INCC a partir de julho de 1994 e comparando, dá para verificar o impacto do poder de compra dos imóveis.
Figura 4: evolução do INCC, IPCA e Salário Mínimo.
Pelo gráfico da figura 4, o grande indexador do período foi o salário mínimo. Este cresceu 15 vezes entre julho de 1994 e junho de 2019, seguido por 8 vezes o INCC e 5,6 o IPCA. Dessa maneira, pode-se especular qual foi o impacto na rentabilidade das empresas, uma vez que o custo da mão de obra cresceu mais de 3 vezes o valor de sua receita, se esta fosse indexada apenas pela inflação.
Para o empresário manter-se competitivo durante esse período, ele precisou triplicar a sua produtividade, além de repassar integralmente sua correção de preços, o que se sabe não ser fácil. Dessa forma, segundo dados de uma pesquisa do INSPER a produção por trabalhador na década de 90 era 25 mil dólares e em 2016, 30 mil dólares, um crescimento de 19% no período.
Assim, se um assalariado mínimo rendia 1000 reais em 1994 para uma empresa, hoje ele rende cerca de 1200. Imaginando que seu salário na época era de 100 reais, hoje ele é de 1500. Enquanto isso, a empresa foi de um lucro de 900 para um prejuízo de 300 reais, considerando os números da produtividade. Por fim, num cenário globalizado e cada vez mais competitivo, a correção do salário mínimo cobrou seu preço: dívida pública em alta, desemprego de 13%, economia enfraquecida e milhões de pessoas sem emprego.
Portanto...
O poder de compra deveria subir não por meio do acréscimo do mínimo, mas por meio do crescimento da produtividade. Por isso que disseminamos fortemente as metodologias para melhoria da produtividade, seja por meio do Green Belt, Black Belt, Lean, WCM, ou mesmo o White Belt. Para ter acesso a estes e dezenas de outros cursos, conheça a Assinatura FM2S!