FM2S Entrevista: Luciane Leães
Batemos um papo com Luciane Leães, Gerente de Infraestrutura, Facilities e SSMA no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), Engenheira Civil e Especialista em Gestão de Projetos, que nos contou sobre o lado humano da força com a revolução do Programa 5S.
Conte um pouco sobre o início de sua trajetória profissional.
Luciane Leães: Sou nascida no Paraná e meus pais são gaúchos. A gente crescia sabendo que uma hora, muito cedo, a gente ia sair de casa, para poder, de fato, cursar uma faculdade. Eu saí de casa com 15, 16 anos, numa época que não tinha celular. Era tudo muito longe, muito distante. Fui para Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, para fazer a faculdade de Engenharia Civil.
Já começo dizendo que a faculdade, para mim, era, na verdade, uma libertação do ponto de vista de autonomia, porque era o início de uma vida longe de casa; era, na verdade, o sonho da família, no sentido de dizer, essa pessoa vai ter uma formação. Então, ela vai, na verdade, de alguma forma, fazer coisas diferentes do que foi feito antes. Então para mim, na verdade, a faculdade em si era um caminho, era um passe, para a minha independência. A escolha pela engenharia civil não foi a minha primeira escolha; eu fiz Desenho Industrial no primeiro ano. Então, na verdade, eu ainda era muito nova, aquela questão do que escolher, do que fazer, qual era a minha habilidade, de fato.
Eu sabia que eu gostava de Matemática, que eu tinha raciocínio lógico, mas eu não entendia nem direito o que era, de fato, a Engenharia em si. E eu fui aprender na faculdade. Eu não tinha ninguém que pudesse ser exemplo, como um engenheiro na família.
você é engenheira civil, tem experiência com acompanhamento e administração de obras. Como foi o caminho e principais desafios?
Luciane Leães: Cinco anos e meio se passaram [da faculdade] e eu precisava começar a trabalhar. E aí tem toda essa questão do desempenho, de como tu se coloca como estagiário nos lugares e como tu que tem que ter uma accontability de fazer isso, de buscar sua posição. E eu arrumei trabalho, eu consegui, na verdade, o primeiro estágio, em Joinville, Santa Catarina, que era mais 1000 km de distância para Santa Maria.
Então, eu fiz outra mudança nesse meio de caminho, que foi sair do Rio Grande do Sul, ir para Santa Catarina, e fazer estágio numa construtora. Fui efetivada logo na sequência. Era uma construtora de alto padrão e, normalmente, os primeiros trabalhos, de fato, depois de formada, definem o caminho da tua carreira. E aí era tocar obra, cuidar de obra. Era prédio residencial de alto padrão, mesmo.
Aí eu tive os primeiros contatos, de verdade, com uma construtora extremamente estruturada, que tinha muita coisa para ensinar com base nos processos, mas eu era mulher, engenheira civil, né? Então eu tenho que enfrentar algumas dificuldades. E aí começou a minha história com os grupos multidisciplinares.
Eu tinha que descobrir uma forma de lidar com as pessoas na obra e, ao mesmo tempo, com o dono da construtora; e, também, com os gestores, com os meus pares, que fosse diferente dos meus colegas. Eu tinha que achar uma diferenciação. E eu descobri – talvez um pouco pela personalidade, talvez um pouco pela forma como aquele percurso chegou até ali – que não dava para ser na base do grito; tinha que ser na base da influência. Isso, na verdade, era um diferencial importante naquele momento.
As pessoas se sentiam mais engajadas quando se entendiam parte da solução, e não necessariamente tu tá lá simplesmente para dar ordem, né. Depois de uns quatro anos, com tanto aprendizado, passei a ser profissional autônoma. Identifiquei uma oportunidade de negócio e passei a tocar gerenciamento de várias equipes ao mesmo tempo, para entregar acabamento, e passei sete anos nessa atuação.
Você está no CTC há 12. Como detectaram a importância da implantação do 5s e quais foram os desafios iniciais?
Luciane Leães: O CTC é uma empresa que mexe com tecnologia, pesquisa, com laboratórios de pesquisa em cana-de-açúcar, biotecnologia. A empresa existe há 53 anos e é uma fazenda com quase 40.000 metros de área construída.
Ao longo desses 12 anos, fomos mudando, construindo e reformando, fazendo muitas coisas aqui dentro e algumas outras várias vieram, área de saúde e segurança, área de meio ambiente… mas percebíamos que existia uma bagunça meio que generalizada, mas não conseguíamos explicar, de fato, o que era.
E aí o 5S entrou e a gente, começa com metas, como podemos fazer, como fazemos… no início, uma área fazia uma faxina do lado de lá, aí a gente descobria que uma faxina é só uma faxina, não adianta nada. Tu vai limpar um dia, dali uma semana vai tá tudo de novo do mesmo jeito que estava. E aí a gente foi apresentada, a gente conhecia os conceitos de 5S, mas a gente ficava dúvida, mesmo.
Tipo, isso vai funcionar para gente? Quantas vezes a gente já não testou e já não tentou fazer 5S que a gente vai ali, meio que dá uma olhadinha na internet. Vamos fazer 5S aqui na mesa, e vamos ver o que que acontece. Até que apostamos, de fato, num mix, que era justamente a gente levar a estratégia da companhia para aplicação 5S. Se a gente precisava receber investidores, se a gente precisava receber visitas, se isso fazia parte da nossa estratégia, como que a gente, de forma estruturada, mantinha o site em ordem, por exemplo, porque essas visitas podiam acontecer a qualquer momento; não dava para só fazer a faxina antes das visitas chegarem.
Ao mesmo tempo, como que eu estimulo as pessoas que estão aqui, na verdade focadas numa estratégia absurdamente desafiadora de crescimento, para que elas entendam que tinham que parar um pouco o que estavam fazendo para que, de fato, fossem treinadas, capacitadas, e pudessem, de fato, entregar um trabalho de qualidade e que fosse contínuo.
Como foi o processo de implantação do programa 5S no CTC?
Luciane Leães: Contamos com a Consultoria da FM2S, que fez uma diferença gigantesca nesse processo. Houve um match, no sentido de fazermos uma solicitação, de que todo o trabalho fosse feito de forma muito humanizada. Que tivéssemos, obviamente, elementos técnicos, levando em consideração a cultura do CTC, que é uma cultura de troca de ideias, de construção a quatro mãos, de compartilhamento, para que desenvolvêssemos, de fato, um trabalho que funcionasse. Pensamos num plano piloto, para fazer o treinamento em formato de prática. Enfim, instantaneamente as pessoas se conectaram com aquela ideia. É impressionante.
Eu não imaginava, mesmo sendo gestora, e já tendo vivido outras questões de entrega de projeto, eu não consegui imaginar a extensão disso, de como isso seria, do resultado disso. Mesmo quando a gente estava lá, no primeiro dia do projeto-piloto, onde estava tudo meio que bagunçado. E eu lembro de um discurso que fizemos para o pessoal que estava lá; disse assim: “gente, olhem bem para isso que vocês estão vendo.
Porque vocês nunca mais vão enxergar isso do jeito que tá agora. Guardem essa imagem, porque essa imagem ela nunca mais vai, ela não vai mais fazer parte da nossa vida”. Foi multidisciplinar, mesmo. Tínhamos equipes que souberam dos 5S, outras áreas do CTC, que resolveram voluntariamente aderir ao programa. Pessoas que estavam cuidando de atividades de campo, de armazenamento em estufas, de oficina, de almoxarifado, mas também de laboratório, que é completamente diferente e que de fato está ligado a atividade principal do CTC.
Como uma empresa, que tem como atividade principal a pesquisa, conseguiu aplicar uma ferramenta como a 5S de maneira tão brilhante, e contagiar tanto colaboradores?
Luciane Leães: A primeira coisa para implementar um trabalho como esse: planejamento. Não dá para entrar direto na execução. Há a necessidade de definir quem é o responsável por fazer isso dar certo. Por outro lado, a pessoa escolhida ficava motivada, porque também tinha a oportunidade de exposição.
Da mesma forma, não teria como isso ter acontecido sem a gente ter contado com um corpo técnico e com conhecimento da Consultoria. Também levamos em conta a cultura do CTC, que é uma empresa pragmática; não adianta fazer um treinamento de cinco horas.
A informação tem que ser direta, sem esquecer o lado humano. As pessoas têm diferenças e a gente quer fomentar sempre que as diferenças estejam ali. Precisamos olhar para aquele grupo e muitas coisas a gente aprendemos ao longo do projeto piloto. Fizemos material, aquelas pessoas andavam com a camiseta do projeto 5S, era o maior orgulho para elas estarem participando daquilo.
Os focais de cada área definiram quem eram as pessoas que seriam os multiplicadores, de fato, do 5S. E elas se sentiram extremamente reconhecidas por terem sido lembradas pelos seus gestores como pessoas que poderiam multiplicar a cultura de 5S. Então tem uma mistura aí no meio; não é só o 5S como um processo, mas como um programa. Ele também é um programa de desenvolver, que foi capaz de desenvolver e foi capaz de dar visibilidade para o trabalho das pessoas.
Esse cuidado tem que acontecer, porque foi isso que fez a movimentação acontecer do jeito que aconteceu aqui dentro. Tomamos um cuidado gigantesco para comunicar para as pessoas que aquilo estava acontecendo; a empresa inteira soube que estávamos passando por um processo e, também, dos resultados do programa. Fizemos reuniões que incluíram a alta diretoria; todos sabiam que o 5S estava rodando, e houve o devido reconhecimento às pessoas que fizeram a diferença. Isso faz a diferença.
Não adianta tu simplesmente, à força, introduzir um programa dentro de uma empresa. É um movimento que deve ser assimilado pela empresa como um pedaço. Tanto que não nos contentamos com o primeiro ano. Então, o que acabou acontecendo? Foi tão sucesso para a gente aqui, que tem fila de espera para entrar no programa. Áreas que a gente não imaginou que pediriam para entrar no programa. De fato, demos a possibilidade para que as pessoas dessem o próximo passo, inclusive, de carreira.
Como sair da teoria e ir para a prática na implantação de um programa como o 5S?
Luciane Leães: Existe a fase do projeto e a rotina. Fase de projeto, de fato, é sempre muito legal, motivador. Fazemos entregas, e elas são recompensadoras, de fato. Mas não adianta fazer uma entrega e esquecer que aquilo ali foi feito, porque aí a tua grande entrega pode se transformar num problema.
É preciso ter dashboards, definição, quem são as pessoas que estão auditando e aonde, qual a frequência da auditoria que tem que acontecer… ou seja, é um programa de qualidade; precisamos pensar na rotina. Esses dashboards, por exemplo, são importantíssimos. Eles fazem com que a gente garanta a manutenção do programa. Isso também é aprendizado. Como que a gente se vira com uma rotina que a gente não tinha antes? É uma mudança cultural.
Como um gestor consegue influenciar pessoas e contagiar a equipe para participar de programas de melhoria como este?
Luciane Leães: É papel do gestor maximizar o potencial humano. Então, é preciso olhar para um grupo e entender quais competências as pessoas precisam desenvolver. E o gestor, principalmente, competências de lidar com pessoas que são diferentes, de diferentes posições e hierarquias diferentes. Começa por aí. Depois, definir quem vai ser a pessoa que de fato vai ser desafiada e acompanhar isso muito de perto, porque não há como tu chegar no resultado sem as pessoas, de fato, estarem engajadas e satisfeitas com que elas estão fazendo.
E o 5S na verdade vem muitas vezes carregado de um certo preconceito, no sentido de, “gente, mas eu sou um gestor da área de laboratório, como que eu sou a pessoa que está designada para fazer o 5S, que parece ser uma faxina?” Isso de fato acontece, até a hora de passar pelo treinamento e entender que, de fato, está todo mundo com a mão na massa, independentemente da posição que a pessoa está. Isso cria uma empatia entre o grupo sem tamanho. É muito legal vermos, no fim das contas, o rapaz que está aqui há 30 40 anos, junto com o menino que acabou de entrar e é PhD. Duas pessoas trabalhando focadas no mesmo tema para realizar a mesma entrega.
Sem conflitos. Isso é para ser menos hierárquico, deve quebrar barreiras. Na verdade, todos estão aqui pelo mesmo princípio, pela mesma entrega. No meio do caminho, ninguém mais percebe que estamos falando de pessoas com formações diferentes, de pessoas com entregas ou metas diferentes. Hoje, todo o time de pesquisa e desenvolvimento (P&D) está no projeto 5S – um grupo que, a princípio, apresentou resistência, como se fosse “perder tempo” implantando, mas que hoje agradece e viu, na verdade, o quanto as atividades ficaram otimizadas. Também participam do projeto pessoas do escritório administrativo e de operações.
Também utilizamos sempre o lado humano da mudança. Havia funcionários de mais de 30 anos de casa que mudaram a cabeça com o 5S; entenderam que, mesmo com tanto tempo de casa, são capazes de mudar, de implementar projetos e de fazer coisas diferentes. Além disso, o nosso olhar vai melhorando. É processo, é melhoria contínua. As pessoas passam a entender a importância do indicador.
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Quais principais resultados da empresa com o 5S que você destaca? Como medir esses resultados?
Luciane Leães: Ninguém quer mais voltar ao que era antes. As pessoas ganham produtividade, tempo. Somos uma empresa onde o nosso produto é o talento das pessoas. Então, tempo é dinheiro de verdade, assim. O que a gente viu durante esse processo, é que, justamente, não existe como tu parar. É um movimento que tu faz, quando é estruturado desse jeito, que as pessoas que estavam ali participando daquele processo te cobram para que a coisa aconteça. Elas não querem parar. Entregar o projeto 5S era a meta.
Estávamos tentando entender como medir essa meta. Ficamos na indefinição, do tipo, qual é o número que é um número difícil, mesmo, de ser alcançado? Algo que não vai ser fácil chegarmos. Porque a gente, na verdade, sempre define mínimo, target, máximo. Beleza. Qual é o nosso target? E qual é o máximo, aquilo que provavelmente a gente não vai conseguir alcançar? Porque isso, na verdade, é desafiador, né.
Bom, o que eu posso dizer é que a gente alcançou muito mais do que o máximo da meta, considerando todo o entendimento que se tinha da Consultoria, do quanto a gente chegaria, de tanto que aquilo foi extraordinário, inclusive para FM2S. Quem tirou a “pior” nota, que foi tipo, 9, ficou com esse pensamento: “precisamos melhorar”. Nas próximas auditorias que vieram, foi melhorando, melhorando, e está próximo de 100%.
Quais foram os principais benefícios do 5S?
Luciane Leães: As [mudanças] imensuráveis estão relacionadas à questão de reconhecimento, de identificar lideranças, potenciais talentos. Tudo isso a gente mensura no dia a dia. Agora tem outros benefícios. Por exemplo, todas essas coisas que estavam aqui armazenadas há milênios e que a gente, na verdade, conseguiu, de alguma forma, vender, leiloar, tudo isso que estava aqui gerou, na verdade, um valor que era perdido naquele momento. Se a gente não resolvesse fazer isso desse jeito, ia fica mais 30, 40 anos aqui, porque é muito grande, ninguém ia pensar que a gente poderia gerar valor naquilo.
Além disso, tem as questões de orgulho, de fato, de tu estar trabalhando num lugar muito bem organizado, chegar hoje no almoxarifado, identificar, tudo etiquetado… as pessoas, de fato, assumem o senso de dono. Aquilo ali, quem é responsável por aquela área, ela tem orgulho de receber uma visita. Ela tem orgulho de mostrar que aquele lugar ali foi trabalho, foi um trabalho que, elas querem mostrar foto de como era e de como é agora. Na prática, ficamos muito mais eficientes.
A identificação dos problemas agora é muito visual, com o plano de ação. É visual identificar, “gente, aconteceu um problema nessa área aqui, porque eles sempre tiraram nota 9,8 e esse mês tá 9,5. Tem alguma coisa acontecendo aqui, vamos lá, vamos entrar lá, vamos conversar com eles”. A gente continua organizando a rotina. Mas temos que entender o que está acontecendo para não se surpreender dali a pouco com uma nota 6, quando estávamos com 9,8. Enfim, eu acho que esses são os benefícios de um programa como esse. E fora isso que é a questão da melhoria contínua, estar sempre identificando novos pontos de melhoria.